Foto: NELSON ALMEIDA / AFP. Fonte: DP
O que aconteceria se toda a floresta tropical que hoje existe na
Amazônia fosse magicamente transformada em pasto? Uma simulação
computacional feita por pesquisadores da Universidade de Princeton (EUA)
tentou responder a essa pergunta, e o cenário tem ares de distopia.
Caso isso ocorresse de fato, calculam os cientistas, a região
amazônica poderia esquentar 2,5 graus Celsius a mais do que o resto do
mundo na segunda metade deste século, dependendo do cenário global.
Poderia ficar, portanto, 5,5 graus Celsius mais quente do que era no
século 19.
Tal aumento de temperatura, porém,
seria apenas a ponta do iceberg. Sem a mata, a região também perderia
entre 700 mm e 800 mm de chuva por ano (o equivalente a mais ou menos
metade da chuva que cai no município de São Paulo anualmente). Isso
reduziria tanto o fluxo de água dos rios da Amazônia quanto a
pluviosidade que a área exporta para o resto do Brasil e da América do
Sul.
Os dados foram apresentados por Stephen
Pacala e Elena Shevliakova durante a conferência "Amazonian
Leapfrogging" (algo como "pulo-do-gato amazônico"). O evento foi
realizado pelo Brazil Lab, órgão da universidade americana dedicado a
estudos sobre questões brasileiras.
Especialistas
e representantes da sociedade civil de ambos os países se reuniram para
debater soluções inovadoras para a crise enfrentada pela Amazônia –os
tais "pulos-do-gato" do título da reunião. "Na minha opinião,
enfrentamos quatro grandes crises ambientais no mundo: clima, alimentos,
água e biodiversidade. A Amazônia está no epicentro de todas elas",
declarou Pacala. "A modelagem que fizemos ajuda a comunicar a urgência
por trás disso."
Segundo Shevliakova, a equipe
de Princeton se inspirou numa pesquisa similar dos anos 1990 que tinha
entre seus coautores o climatologista brasileiro Carlos Nobre (um dos
convidados do evento nos EUA). "O impressionante é como a magnitude dos
efeitos, em grande medida, acabou se mantendo", contou ela.
Os
modelos matemáticos do novo estudo levam em conta detalhes específicos
da interação entre a atmosfera e a superfície terrestre em florestas
tropicais, em especial a química atmosférica e a presença de aerossóis
–no caso da Amazônia, partículas de matéria orgânica, de diferentes
tamanhos e composições, que são emitidas pela própria floresta.
Tudo
indica que os aerossóis atuam como "sementes" de nuvens, ajudando a
manter nos elevados níveis atuais a chuva que costuma cair em território
amazônico.
Sem a mata, portanto, os modelos
mostraram grandes alterações na precipitação e na umidade, o que
contribui para o excesso de calor. "São mudanças tremendas as que nós
vemos. Tanto o mundo quanto a Amazônia jamais seriam os mesmos",
declarou Shevliakova. Caso a devastação alcance 50% da floresta, os
impactos na temperatura regional também seriam mais ou menos a metade do
que aconteceria com o desmate completo.
Para
evitar que esse cenário acabe se concretizando –convém lembrar que 20%
da floresta já foi desmatada desde os anos 1970–, os participantes do
evento defendem que é preciso combinar desenvolvimento econômico
"inteligente" e inovação tecnológica de maneira a gerar renda na região
sem mais desmatamento.
É basicamente essa a
receita defendida pelo engenheiro florestal Tasso Azevedo, do projeto
MapBiomas, e do engenheiro agrônomo Beto Veríssimo, do Imazon (Instituto
do Homem e Meio Ambiente da Amazônia).
"Uma
área desmatada de 20% na Amazônia já é uma coisa imensa, equivalente a
todo o território usado para a agricultura no resto do Brasil. A gente
não precisa desmatar mais do que isso, não faz sentido", diz Azevedo.
Ele sugere que outros 40% da região poderiam ter o uso sustentável da
madeira e de outros produtos florestais, enquanto os restantes 40%
seriam reservas ambientais "puras". Veríssimo propõe números
ligeiramente diferentes (50% de uso econômico sustentável da floresta em
pé, 30% de reservas).
Os especialistas, porém,
defendem que o verdadeiro "pulo-do-gato" para a região seria o uso de
abordagens inovadoras para diminuir a dependência de estratégias
econômicas destrutivas. "Seria viável rastrear eletronicamente todo o
gado criado no país para evitar que ele venha de áreas desmatadas
ilegalmente. Também seria possível criar laboratórios que unissem num só
lugar a pesquisa básica sobre a biodiversidade amazônica e a criação de
produtos com base nessas descobertas", diz Azevedo.
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