Marcello Casal Jr/Agência Brasil.
O governo federal lançará um modelo de contrato inédito no país
para tentar aumentar a chance de emprego de jovens de baixa renda.
Na
iniciativa, chamada de contrato de impacto social (CIS), uma
organização privada será responsável por qualificar mil jovens de forma a
que eles consigam trabalho e se mantenham nas vagas por pelo menos
quatro meses.
A entidade só será paga se um avaliador
independente comprovar que as metas foram cumpridas. O objetivo é
aumentar a efetividade das políticas públicas, com menos custo para o
governo.
Comum em vários países, como Reino Unido,
Estados Unidos e Israel, o modelo não deslanchou nas duas vezes em que
foi tentado no Brasil.
Na última gestão de Geraldo
Alckmin, o projeto de um CIS para reduzir a evasão no ensino médio em
São Paulo foi abandonado após pressão dos sindicatos, que o consideravam
uma forma de privatização da educação.
No Ceará,
contrato para reduzir a ocupação desnecessária de leitos hospitalares
-transferindo doentes crônicos para atendimento domiciliar- aguarda
licitação.
Segundo dados do Insper Metricis, que
pesquisa desenho, execução e avaliação de programas de impacto social,
330 contratos foram lançados ou estão em fase de elaboração no mundo
desde 2009. Do total, 18% tiveram objetivo semelhante ao do Ministério
de Economia de Bolsonaro: aumento da empregabilidade.
A
consulta pública, encerrada neste mês, estipulava um teto de R$ 4
milhões. Mas o custo pode ser menor, já que o vencedor -que precisará
comprovar ao menos cinco anos de experiência em formação profissional-
será o que apresentar menor preço.
Com o pagamento
atrelado a resultados, "só as organizações comprometidas, que têm
certeza de que seu programa é muito bom, vão entrar", diz Lycia Silva e
Lima, coordenadora do FGV EESP Clear, que integra uma rede global
voltada ao aperfeiçoamento de políticas públicas.
Mas
bons candidatos podem ser desencorajados pelo risco mais alto do modelo
proposto, segundo Bruno Pantojo, especialista da Sitawi Finanças do Bem,
que desenvolve soluções de financiamento para CIS.
"É
louvável o arrojo do governo de procurar soluções inovadoras, mas o
edital está deixando de aproveitar aprendizados das experiências
internacionais", diz.
Os três pontos que elevam o
risco, segundo o analista, são a forma "tudo ou nada" do pagamento, a
ausência de identificação prévia do público alvo e a falta de definição
clara do papel do investidor.
Para medir o resultado,
após o curso, serão monitorados por 240 dias tanto os participantes
quanto um grupo de faixa etária e características socioeconômicas
semelhantes que tenha se candidatado ao programa, mas ficado de fora do
sorteio por restrição no número de vagas.
Será
considerado empregado quem mantiver carteira assinada por ao menos 120
dias consecutivos, na mesma empresa, com carga horária mínima de 40
horas semanais.
A entidade contratada só receberá o
pagamento se o resultado dos jovens participantes for no mínimo 30%
superior ao do grupo que não participou da qualificação (chamado grupo
controle).
Sérgio Lazzarini, fundador do Insper
Metricis, diz que a vantagem desse tipo de avaliação é evitar que o
governo pague por resultados que a contratada não gerou.
"Pode ser que o resultado tenha sido causado pela melhoria da economia, e não pelos programas", exemplifica.
Pantojo,
porém, afirma que o método é mais caro e desnecessário em intervenções
desse tipo, embora seja "padrão-ouro" em experimentos científicos. Em 10
iniciativas de empregabilidade internacionais já concluídas e
avaliadas, compiladas pelo Metricis, só 1 adotou comparação.
Nos
outros 9, foi avaliado apenas o desempenho do grupo atendido pela
contratada, e o mais comum foi o pagamento por faixas de resultado.
Pantojo,
além de considerar que o pagamento "tudo ou nada" desincentiva
desempenhos mais altos, questiona a meta de diferencial de 30%.
"Não está claro por que foi escolhido esse patamar, que nunca foi atingido em programas anteriores", afirma.
A
falta de tradição do Brasil na avaliação de políticas públicas
dificulta a análise de programas anteriores, como o Planfor, o ProJovem
Trabalhador e o Pronatec.
O melhor resultado,
segundo texto do Ministério da Economia, foi o do SuperTec, adotado pelo
antigo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior:
8,6% a mais de chance de conseguir trabalho, em comparação ao desempenho
de grupo com características semelhantes, também acompanhado, mas que
não foi treinado.
Segundo Lazzarini, que acompanhou
parte das discussões durante a elaboração do projeto pelo governo, a
barreira de 30% foi definida "a partir de experiências na faixa de renda
e idade da população alvo do projeto".
Uma gradação da meta, segundo ele, pode esbarrar em questões jurídicas, que o governo precisa avaliar.
"É
crucial avançarmos em uma legislação específica sobre o CIS", diz
Lazzarini. Dois projetos tramitam atualmente, no Senado e na Assembleia
Legislativa de São Paulo.
Segundo ele, o vácuo
jurídico também dificulta, por enquanto, a previsão no edital da
existência de um financiador externo para projetos de CIS.
Porém
nada impede que investidores de impacto se organizem para financiar o
prestador de serviço que vencer a licitação, diz o especialista.
Mas, para Pantojo, a falta de previsão mais específica pode inibir eventuais candidaturas de executores para o projeto.
"As
organizações sociais no Brasil estão em situação financeira muito
difícil. É impensável imaginar que vão levantar o dinheiro sozinhas."
Outro
ponto que aumenta o risco, segundo o analista da Sitawi, é que não foi
previsto um estudo prévio da população atendida nem uma remuneração para
esse serviço.
Ele dá o exemplo do contrato cearense de desospitalização, do qual a Sitawi participa.
"No
estudo, descobrimos que parcela expressiva dos pacientes crônicos não
tinha núcleo familiar. Com isso, oferecer casas comunitárias passou a
ser fundamental. Sem esse diagnóstico prévio, uma intervenção pode ser
mal desenhada e fracassar."
Para o fundador do
Metricis, o público-alvo está bem definido no edital apresentado para
consulta pública: os 1.000 beneficiários, de um conjunto de no mínimo
2.000 inscritos, devem ter entre 18 e 24 anos –faixa em que o desemprego
é crítico (veja gráfico)– e fazer parte de famílias com renda per
capita mensal de até meio salário mínimo.
Para evitar
fraude, na data da inscrição o candidato deverá estar desempregado há
pelo menos 60 dias ou buscando seu primeiro trabalho formal.
O projeto pode ser feito em qualquer parte do país, a partir de um estudo do mercado de trabalho local.
A
ideia é envolver o setor privado "em todo o fluxo da política, partindo
de um mapeamento claro de qual tipo de trabalhador será necessário em
qual localidade, para qual empresa", segundo o texto.
Outra
novidade da proposta é incluir as chamadas habilidades socioemocionais
-como relações interpessoais no trabalho– na carga horária mínima de 20
horas destinada a conteúdo básico (como leitura e compreensão de textos e
raciocínio lógico-matemático).
Já a formação profissional precisa ocupar pelo menos 30% do total mínimo de 250 horas presenciais.
A
avaliação será feita por uma instituição independente, o que é
considerado positivo por Lycia, da FGV. "De um modo geral no Brasil, a
gente lança a política e muito raramente avalia se ela teve impacto",
diz
Entidades do setor esperam que a licitação seja
lançada até o final de setembro. O Ministério da Economia não deu
entrevista sobre o projeto.
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