Fonte: Diario de Pernambuco
Há pouco mais de quatro anos, o primeiro surto de zika foi
confirmado no Brasil. A infecção assemelhava-se à de uma gripe, sem
maiores intercorrências. Porém, quando os primeiros bebês de mães
infectadas durante a gestação começaram a nascer, a comunidade médica e a
população viram que não era algo tão simples assim. Cinco por cento das
crianças apresentam um conjunto de anomalias do desenvolvimento, sendo a
microcefalia a mais associada a esse vírus. Ainda não se sabe o porquê
de nem todas nascerem com os problemas. Mas pesquisadores da
Universidade de Rockfeller — mesma instituição que, na década de 1940,
isolou o micro-organismo pela primeira vez — acreditam terem encontrado
uma resposta.
Em um artigo publicado
na revista Journal of Experimental Medicine, os cientistas afirmam que a
explicação pode estar no tipo de anticorpos produzidos pelas gestantes
em resposta à infecção. Quando o organismo é invadido por vírus,
bactérias ou outros patógenos, o sistema imunológico é acionado e produz
proteínas que vão lutar para expulsar o agente externo. Na análise do
sangue de brasileiras que, entre 2015 e 2016, foram infectadas quando
estavam grávidas, Davide F. Robbiani e Michel C. Nussenzweig constataram
que há uma correlação entre a substância liberada pelo organismo e o
risco de o feto ser afetado pela síndrome congênita provocada pelo zika.
Depois
da epidemia de 2015/2016, que afetou 60 milhões de pessoas no mundo — a
maior parte na América do Sul —, cientistas começaram a investigar o
que causava os defeitos de desenvolvimento nos fetos. Vários fatores
foram propostos para explicar o risco aumentado, como a exposição prévia
ao vírus da dengue ou da chicungunha.
A ideia
era que os anticorpos produzidos para combater esses vírus poderiam
reconhecer o zika, mas, em vez de neutralizá-lo, ajudariam o
micro-organismo a penetrar nas células maternas e romper a barreira da
placenta, atingindo, assim, o feto. “Mas por que algumas gestantes dão à
luz bebês aparentemente saudáveis e outras não permanece sem resposta”,
explica Robbiani, que coliderou o estudo. Testes exaustivos de
laboratório invalidaram a teoria, porque não se observou diferenças
significativas na atividade das proteínas fabricadas pelo corpo para
lutar contra a dengue, sugerindo que o contato anterior com arbovírus
não favorecia a doença congênita.
Testes em macacos
A
resposta parece estar, sim, nos anticorpos. Porém, naqueles produzidos
contra o próprio vírus da zika, explicam os autores. De acordo com
Robbiani, ao analisar a atividade dessas substâncias, eles viram muitas
diferenças naquelas produzidas pelo organismo das mães de crianças com
anencefalia, comparadas às das mulheres que, embora infectadas pelo
micro-organismo durante a gestação, deram à luz bebês saudáveis. Além
disso, ao contrário do que se espera de um anticorpo — brigar contra um
agente invasor —, os contra o zika reforçaram a habilidade do vírus de
entrar nas células. Essa característica foi observada em testes feitos
com tecidos humanos cultivados em laboratório.
As
descobertas foram confirmadas em macacos infectados com o
micro-organismo. As fêmeas gestantes que produziram anticorpos capazes
de aumentar a capacidade de o vírus se instalar no interior celular
apresentavam mais risco de dar à luz filhotes com dano cerebral
provocado pelo zika. “Embora nossos resultados só mostrem uma correlação
até esse ponto, eles sugerem que os anticorpos podem estar implicados
na doença fetal causado pelo zika”, diz Michel C. Nussenzweig. “Em vez
de anticorpos que protegem contra o zika, pode haver aqueles que estejam
fazendo o contrário. Então, o próximo passo será descobrir quais são
responsáveis por isso e de que forma promovem os danos fetais”, completa
Robbiani. De acordo com ele, isso tem implicações para o
desenvolvimento de vacinas. “Uma vacina segura que seletivamente eleja
anticorpos que protejam, enquanto evite aqueles que aumentam o risco de
microcefalia”, explica.
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