Foto: Marcello Casal jr/Agência Brasil.
A demora de alguns provedores de conexão a internet em atualizar
seus sistemas de identificação de usuários da rede mundial de
computadores tem dificultado o trabalho de policiais encarregados de
investigar crimes cibernéticos. A afirmação é do coordenador do
Laboratório de Inteligência Cibernética do Ministério da Justiça e
Segurança Pública, Alessandro Barreto.
Segundo
Barreto, o problema decorre, principalmente, da resistência de algumas
empresas em fazer os investimentos necessários para migrarem da
tecnologia IPv4 para o IPv6 - protocolo de internet (do inglês Internet
Protocol, ou IP) lançado em 2012, como uma resposta à ameaça de
saturação dos “endereços” numéricos que identificam cada computador,
servidor, celular, tablet ou dispositivo conectado à rede.
Criado
no início da década de 1980, o IPv4 opera com "endereços" de 32 bits,
suportando cerca de 4,30 bilhões de IPs em todo o mundo. As combinações
numéricas que identificam um IP permitem a conexão dos equipamentos em
rede. Ou seja, para realizar uma pesquisa, enviar um e-mail ou acessar
as redes sociais, o internauta tem que necessariamente utilizar um
equipamento com um número de IP autenticado. Ocorre que, conforme a
internet se popularizou, o número de endereços ainda disponíveis no
protocolo IPv4 foi diminuindo rapidamente, motivando a Corporação da
Internet para Atribuição de Nomes e Números (do inglês, Icann ) a lançar
o IPv6, que usa 128 bits, possibilitando um número infinitamente maior
de combinações numéricas.
De acordo com
Barreto, com a saturação do antigo protocolo, provedores que ainda não
migraram para o IPv6 passaram a atribuir um mesmo IP a mais de um
internauta. "Alguns provedores, por várias questões, não querem fazer a
migração. Então, eles pegam um endereço de IP e compartilham [entre
vários clientes]. Já pegamos um único IP sendo usado por 1.020
aparelhos. Como vamos chegar à conexão?”, questionou Barreto, ao
explicar como isso dificulta o trabalho dos investigadores. “É como se
tivéssemos uma autopista com mil veículos, todos da mesma cor e com uma
mesma placa. [Por isso] alguns abusadores e exploradores sexuais
deixaram de ser identificados”, ressaltou o coordenador, sustentando que
a 5ª fase da Operação Luz na Infância, deflagrada esta manhã (4) para
investigar a suspeita de crimes de exploração sexual contra crianças e
adolescentes, também foi prejudicada por essa questão.
“Isso
não afeta só crime de abuso e exploração sexual infantil. Afeta fraudes
eletrônicas, crimes eleitorais, o que quer que seja que exija a
identificação do responsável. Asseguro a todos vocês que os números de
hoje poderiam ser maiores. Poderíamos ter mais operações de busca e
apreensão sendo feitas neste momento”, comentou Barreto sobre os 105
mandados de busca e apreensão que estão sendo cumpridos em 14 estados,
no Distrito Federal, e em outros seis países: Chile, El Salvador,
Equador, Panamá e Paraguai, além dos Estados Unidos, onde um investigado
foi detido, no estado do Michigan. Até as 13h, o ministério confirmava a
prisão de 31 pessoas, incluindo o suspeito detido em território
norte-americano.
Se todos os provedores
migrarem para o protocolo IPv6, o número de IP disponíveis aumentará, e o
sistema suportará muito além dos cerca de 4,30 bilhões de endereços.
Com isso, será mais fácil distinguir os equipamentos conectados à rede.
“Isso minimizará os problemas e conseguiremos identificar mais
abusadores e outros criminosos [cibernéticos]. Alguns provedores já
estão se adequando, mas há alguns provedores gigantescos que aplicam a
metodologia [IPv4] e que não querem migrar para o IPv6”, acrescentou
Barreto. “Então, vou usar este espaço para pedir encarecidamente [às
empresas]: migrem para a versão 6 do protocolo.”
Questionado
sobre o que mais o governo pode fazer além de pedir às empresas que
atualizem seus sistemas, Barreto revelou, sem citar nomes, que um
provedor já foi multado durante uma fase anterior da Operação Luz na
Infância por ter dificultado investigações. “No Brasil, o Marco Civil da
Internet estabelece que os provedores de conexão têm que fornecer
informações que nos permitam individualizar a autoria e a materialidade
de delitos. A legislação é clara quanto a isso.”
Procurado
pela Agência Brasil, o Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e
do Serviço Móvel Celular e Pessoal (SindiTelebrasil) informou que as
empresas concluíram em 2017 a migração das redes para o protocolo IPv6,
de acordo com as ações definidas em conjunto com a Agência Nacional de
Telecomunicações (Anatel).
Segundo o
sindicato, além disso, é necessário que todos os conteúdos e
dispositivos utilizados pelos usuários adotem o IPV6. De acordo o
SindiTelebrasil, nos Estados Unidos, a taxa de adoção é de 37,63% e, no
Brasil, de 27,7%.
O sindicato destacou que,
enquanto a migração não é concluída, "as redes de telecomunicações devem
manter o suporte ao IPV4 para que os usuários possam acessar todos os
conteúdos e aplicações disponíveis. Como o recurso de numeração do IPV4 é
escasso, com esgotamento total previsto para janeiro de 2020, há
necessidade de compartilhamento de endereços para que o acesso à
Internet funcione. Esse procedimento é uma exigência das entidades que
fornecem os endereços, tanto em nível mundial quanto em nível nacional".
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