Em meio às discussões sobre uma possível liberação do plantio de
Cannabis no país, o Ministério da Saúde recomendou à Anvisa (Agência
Nacional de Vigilância Sanitária) que conceda registro para medicamentos
à base da planta apenas para casos de epilepsia refratária, quando não
há resposta a tratamentos convencionais.
O
registro também ficaria restrito somente ao canabidiol, um dos derivados
da maconha. A posição consta de nota técnica enviada à agência neste
mês, e à qual a reportagem teve acesso.
No documento, o
ministério também se posiciona contrário à proposta em discussão na
Anvisa de dar aval ao plantio de Cannabis para pesquisa e produção de
medicamentos.
"Uma vez que a nossa
manifestação se pauta apenas na liberação do canabidiol para uma única
indicação terapêutica, não se faz necessária a instalação de uma
capacidade nacional para o cultivo de Cannabis spp., tendo em vista que a
demanda do mercado a ser suprida é baixa", informa a nota.
Para o ministério, devido à indicação restrita, há risco dos produtos terem preços altos.
"A
liberação do cultivo neste momento para atender a um nicho restrito de
mercado interno é inviável, podendo inclusive encarecer o medicamento
produzido com insumo farmacêutico cultivado em território nacional",
completa o documento.
O parecer do Ministério da Saúde
foi elaborado com base em uma revisão de estudos feita pela secretaria
de ciência e tecnologia da pasta e consulta a entidades como o CFF
(Conselho Federal de Farmácia), CFM (Conselho Federal de Medicina) e
Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil.
Nos
últimos meses, o CFM já havia se posicionado contrário à proposta da
Anvisa.Segundo o documento, a análise feita pela pasta se concentrou em
revisões de estudos ligados a casos de uso de derivados da Cannabis para
"doenças debilitantes graves ou com ameaça à vida e sem alternativa
terapêutica" –termo que é citado em proposta da Anvisa de novas regras
para registro de medicamentos que podem ser gerados nesse processo.
O
documento cita que, no caso da epilepsia, revisões de 102 ensaios
clínicos apontaram diminuição na frequência de crises epilépticas em
pacientes tratados com canabidiol. A pasta também analisou revisões de
estudos sobre o uso de THC, outro derivado da maconha, para o controle
de espasticidade relacionada à esclerose múltipla. A maioria das
revisões, que envolvem 69 ensaios clínicos, teve resultado positivo.
A pasta frisa, porém, que é preciso mais estudos completos para acompanhamento.
O
ministério também aponta ter encontrado revisões sistemáticas de
estudos sobre dor crônica, dor neuropática, náuseas e vômitos
relacionados à quimioterapia, mas que optou por não incluir os estudos
por não constarem na definição presente na proposta da Anvisa.
A
agência, no entanto, tem dito que, apesar de prever prioridade na
análise de pedidos de registros de medicamentos para os casos de
"doenças debilitantes graves e sem alternativa terapêutica", a avaliação
de pedidos de registro de medicamentos também estaria aberta para
outros quadros que apresentarem estudos de qualidade, segurança e
eficácia.
Atualmente, o país tem um medicamento
registrado à base de Cannabis. Chamado de Mevatyl, ele é composto por
THC e canadibiol e é indicado para tratamento de espasmos musculares nos
casos de esclerose múltipla. O quadro, porém, ficou de fora da
indicação do ministério.
Desde 2015, a Anvisa também
autoriza de forma excepcional a importação de óleos e outros produtos à
base de canabidiol para pacientes. Mas não há uma restrição apenas para o
tratamento de epilepsia refratária. Além desse quadro, outras doenças
frequentemente tratadas são autismo, dor crônica, doença de Parkinson e
alguns tipos de câncer.
A agência tem informado que o
aumento no volume de pedidos e de ações judiciais motivou a proposta de
dar aval ao plantio para pesquisa e produção de medicamentos.
"Não pode ser panaceia"
O
ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, disse nesta quinta-feira
(29) não ver motivos para que a Anvisa dê aval ao plantio da Cannabis
para uso medicinal no país. "Se vai fazer todo um plantio para atender
um número baixo de pessoas, o produto vai ser extremamente caro",
afirmou.
Para ele, uma alternativa poderia estimular
uma produção sintética do canabidiol. Outro seria a importação de
produtos, como já ocorre hoje.
Questionado sobre a
opção por dar aval apenas a medicamentos a base de canabidiol, e não
para o THC, Mandetta diz que a decisão ocorreu após manifestação das
entidades. "Somos porta-voz do que querem aqueles que tratam essas
pessoas."
E fez críticas à proposta da Anvisa. "Às
vezes colocam nesse guarda-chuva do nome 'medicinal' e isso pode induzir
as pessoas a achar que aquilo ali faz bem. Sabemos que não faz bem. Se
você perguntar: você é a favor da liberação da maconha no Brasil? Do
ponto de vista da saúde, não, não somos", disse.
A
declaração representa uma tentativa de Mandetta de se aproximar do
posicionamento do restante do governo, que tem dado declarações
contrárias à proposta da Anvisa.
Em entrevista à
Folha, o ministro da Cidadania, Osmar Terra, disse que a medida
representa uma tentativa de legalizar a maconha no Brasil.
Questionado
sobre a declaração, Mandetta disse não ver dessa maneira. "É um
remédio, mas tem que ver para qual situação. Não pode ser uma panaceia",
disse.
"Isso se aplica muito para crise convulsiva reentrante. Se o uso é bom para relaxar, isso estamos fora", afirmou.
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