Segundo estudo, grandes clubes do futebol brasileiro perderam oportunidade de se organizarem. Investimento em estrutura e na base diminuiu em 2017
Os grandes clubes do futebol brasileiro ganham cada vez mais dinheiro,
mas gastam cada vez mais, cada vez pior. E não cansam de desperdiçar
oportunidades de crescer de maneira sustentável. Este é o diagnóstico
que se extrai da "Análise Econômico-Financeira dos Clubes de Futebol Brasileiros - 2018", o já tradicional estudo anual elaborado pelo banco Itaú BBA.
O documento de 252 páginas obtido com exclusividade pelo GloboEsporte.com disseca as contas dos 27 principais clubes do Brasil e chega à seguinte conclusão:
"Ao longo deste relatório vimos que o futebol brasileiro se mexe para
não sair do lugar. No total parece melhorar, mas olhando com lupa vemos
que alguns poucos se movimentaram na direção certa. Falta gestão, visão
corporativa, controle e planejamento", diz o relatório do banco.
Receitas dos 27 maiores clubes brasileiros em 2017.
O estudo do Itaú analisou as finanças de América-MG, Atlético-MG,
Atlético-PR, Avaí, Bahia, Botafogo, Ceará, Chapecoense, Corinthians,
Coritiba, Criciúma, Cruzeiro, Figueirense, Flamengo, Fluminense, Goiás,
Grêmio, Internacional, Paraná Clube, Palmeiras, Ponte Preta, Santos, São
Paulo, Sport, Vasco da Gama e Vitória.
Rankings que levam em conta apenas o faturamento ou o endividamento dos
clubes têm o defeito de não contextualizar esses números. Citando um
exemplo do próprio estudo: "É melhor dever R$ 500 recebendo R$ 1.000? Ou
dever R$ 1 milhão recebendo de R$ 10 milhões?"
Num ranking simples, quem deve R$ 1 milhão ficaria à frente de quem
deve R$ 500. Por isso, o economista Cesar Grafietti, autor da análise e
consultor exclusivo do Itaú, prefere usar o conceito de "Geração de
Caixa" para se referir à saúde financeira dos clubes brasileiros.
– Para simplificar, o conceito pode ser entendido assim: pega todo o
dinheiro que um clube recebeu, paga todas as contas e vê quanto sobra no
final.
Composição das receitas dos 27 maiores clubes brasileiros.
Em 2017, estes 27 clubes faturaram, somados, R$ 4,930 bilhões – um
aumento de 16% em relação ao ano anterior. Sem contar as vendas de
jogadores, uma variável inconstante e imprevisível, a arrecadação foi de
R$ 4,113 bilhões.
Em ambos os casos, resultados muito acima da inflação no período (2,95%) e do crescimento do PIB do Brasil (1%). Todas as receitas aumentaram no ano passado: direitos de TV, patrocínio, negociação de jogadores, estádio. Ou seja: dinheiro entrou, o problema foi como ele saiu.
Mais medalhões, menos base
Num ano de arrecadação recorde, os clubes até que seguraram os gastos e
priorizaram o pagamento de dívidas. Os investimentos sofreram uma
pequena queda: de R$ 872 milhões em 2016 para R$ 868 milhões no ano
passado. O problema: os clubes gastaram menos com estrutura e categorias
de base, e mais na contratação de atletas já formados.
Como os clubes investem no Brasil .
Em 2017, os 27 principais clubes do Brasil investiram R$ 168,6 milhões
nas categorias de base, uma redução drástica em relação a 2016, quando a
base recebeu R$ 221,6 milhões. Um corte de R$ 53 milhões.
Enquanto isso, o gasto com a contratação de jogadores já formados
aumentou de R$ 558 milhões para R$ 590 milhões. Ou seja: de cada R$ 100
que os clubes gastaram com futebol no ano passado, R$ 68 foram para
contrações, R$ 13 para base e R$ 19 para estrutura.
Ao mesmo tempo, os grandes clubes do Brasil continuam vendendo bem –
tanto internamente quanto para o exterior. Em 2017, a arrecadação com
venda de jogadores foi de R$ 810 milhões, um aumento de 55% em relação
aos R$ 522 milhões de 2016. De novo, o problema é o que foi feito com
esse dinheiro.
Balança comercial dos 27 maiores clubes brasileiros em 2017 — Foto: Infoesporte
"O que costuma ocorrer, na prática, é que os clubes vendem mais do que
contratam e usam o recurso para bancar a operação e reduzir dívidas.
Tanto é que a cada ano o saldo direto entre venda e compra de atletas
profissionais só aumenta, mas a qualidade do jogo não evolui dentro de
campo", é a conclusão dos analistas do Itaú BBA sobre esse aspecto
específico.
Dívidas não crescem, mas também não caem
O endividamento total dos 27 maiores clubes se manteve estável no
último ano. O aumento foi de apenas 2,2% – de R$ 6,466 bilhões para R$
6,614 bilhões. Embora não tenha piorado em 2017, a situação está longe
do ideal. É o que diz a avaliação do Itaú:
"As dívidas não chegam a ser um problema incontornável, mas precisam
ser tratadas com mais atenção. Os clubes perderam uma oportunidade de
ouro de se organizarem, reduzirem passivos e pensarem no fluxo de caixa
futuro [...] Os clubes não entenderam, ou não querem entender.
Estabilidade, num ano em que houve mais uma vez geração de caixa
relevante extraordinária, agora com venda de atletas, é ruim.
Insistimos: a conta vai chegar para a maioria", alerta o texto do
relatório.
Dívidas dos 27 principais clubes brasileiros em 2017.
Até as exceções estão longe da Europa
Em meio a um cenário desolador, o estudo do Itaú encontra algumas
exceções, alguns exemplos a serem seguidos. No primeiro escalão,
Flamengo, Grêmio, Palmeiras e São Paulo são apontados como exemplos
positivos.
"Apesar das receitas crescerem, mesmo as recorrentes, ainda assim a
origem desse crescimento veio de forma concentrada. Não houve melhor
desempenho da indústria do futebol mas sim de alguns "players" deste
jogo. Seja na venda de atletas, na publicidade ou na bilheteria, apenas
alguns poucos foram responsáveis pelo crescimento. [...] Palmeiras,
Flamengo, São Paulo e Grêmio se destacam", diz trecho do estudo.
Ainda assim, os melhores do Brasil estão bem longe dos melhores da
Europa. O Flamengo, disparado o clube brasileiro que mais faturou em
2017, fica no nível de pequenos da Inglaterra, como o West Bromwich. Se o
critério for apenas a arrecadação, nenhum time brasileiro está no Top
25 do mundo.
Conclusão: "No Brasil, a venda de Atletas é um componente importante,
mas diferentemente dos Europeus, que trabalham com Receitas mais
estáveis, os Brasileiros ficam à mercê da demanda dos co-irmãos do Velho
Mundo [...] Por mais esforços aplicados para aumento das receitas do
clubes brasileiros, um crescimento dessa magnitude leva tanto tempo para
ocorrer que o torna improvável, ao menos a curto e médio prazos".
O relatório do Itaú BBA também alerta sobre a capacidade dos clubes de
arcar com as parcelas do Profut, o Programa de Modernização da Gestão e
de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro. O título é uma
indagação: "É possível pagá-lo". A resposta vem em seguida: "Dá. Para
poucos." Os analistas indicam que "alguns poucos clubes serão capazes de
pagar as parcelas do Profut se a situação se mantiver como a apresentada.
Fonte G1
Comentários
Postar um comentário