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CRISE DE ABASTECIMENTO DE MACONHA NO RECIFE, ENTENDA O CASO.

Foto: Georgia Army
O Recife enfrenta uma inusitada crise de abastecimento: falta maconha para atender o mercado consumidor. Trata-se de um comércio essencialmente ilegal, alimentado pelo crime organizado, mas o produto desapareceu também para quem o utiliza com fins terapêuticos. O tema ganhou destaque nas redes sociais, inspirou memes e é impulsionado por grupos de WhatsApp, usuários de diferentes classes sociais, mães e pais, médicos que prescrevem maconha para amenizar dores e por autoridade policial. É o Recife que ninguém vê em modo público. Nesta semana o mercado da maconha ficou mais agitado e inflacionado.

Na última terça- -feira, uma operação conjunta da Polícia Federal e Polícia Militar erradicou no município de Cabrobó, Sertão de Pernambuco, 10.240 pés de Cannabis, base da maconha. Foi a primeira ação do ano. Os 10.240 pés de maconha foram incinerados. Se transformados para a venda, o volume chegaria a 3.400 quilos. A repercussão no caso do uso recreativo ou social cresce com a proximidade do carnaval; o eco das famílias de usuários da área medicinal se fortalece na pouca regulamentação e no desespero dos pacientes sem o atenuante para crises convulsivas ou de dores agudas. 

No Brasil, a Lei Antidroga – nº 11.343, de 2006 – diz que o uso de substâncias ilícitas é crime e estabelece penas para quem “adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal”, mas estabelece punições diferentes para o consumidor e o traficante. O simples uso não é crime. Cabe, no entanto, ao juiz decidir o que configura tráfico; e ele pode definir por apenas um cigarro. “Não tem em lugar nenhum”, diz Gilvan Glibson, 43 anos, professor, biólogo sanitarista e usuário. Gilvan, que trabalha com ONG voltada para crianças e mulheres, diz que já se nota aumento da violência doméstica. “Queimar grandes plantações de maconha em ações de combate é um ato ignorante. Poderiam ganhar valores incalculáveis com a exportação”.

Segundo Ingrid Farias, pesquisadora da área de encarceramento, gênero e drogas, integrante da Marcha da Maconha e da Escola Livre de Redução de Danos, “a escassez é vista em todo o mercado de varejo”. Mas – frisa – a classe média dá um jeito e compra. “Já na periferia, estão vendendo ritalina e rivotril como alternativa, o que pode ser mais danoso”. Pontua que este foi o resultado de “uma ação mais articulada da polícia, ou da ponta da segurança pública, muito mais incisiva e violenta”, estabelecendo uma relação direta entre a operação das polícias no Sertão e a crise no mercado da maconha.

Pai de uma criança com autismo que utiliza óleo canabidiol e presidente da Associação Canábica Medicinal de Pernambuco (Cannape), Eduardo Dantas da Costa Júnior não só confirma a agitação do mercado como fala da expectativa de urgência dos associados quanto à normalização do acesso à maconha. “Temos uma mãe de paciente que procura maconha loucamente para o tratamento recomendado para o filho. Ele tem epilepsia e colocou um marca-passo. A recomendação recente é que a criança inale maconha vaporizada a 200% (um terço da concentração comum) para melhorar as dores. A maconha é fundamental para a vida dele e há mais de um mês que eu digo para ela que não sei quem pode conseguir”, relata. Fundada em 2017, a Cannape atende cerca de 70 famílias.

Pacientes sofrem sem produto

Foto: Peu Ricardo.
“Essa falta (de maconha) gera repercussão negativa para pacientes que fazem uso dos derivados”, diz o médico Pedro Mello, especialista em dor. Grande parte dos pacientes que hoje faz uso da maconha ou precisa da planta, segundo Mello, recorre a consultórios com sintomas de ansiedade, depressão, epilepsia, autismo, dor, Alzheimer, Parkinson, insônia, câncer e doenças autoimunes. Muitas famílias recorrem ao tráfico por não terem condições de custear remédios importados nem conhecimento para lidar com a burocracia. 

“Pela cidade, as histórias se repetem. Usuários de décadas de repente se viram sem nem um baseado”, diz matéria de Maria Carolina Santos e Débora Britto, no site Marco Zero.A restrição do soltinho, como é chamado o produto local e mais natural, desponta como ponto de partida; as repercussões são múltiplas. A alta do preço é uma das mais imediatas. A ativista Ingrid Farias estima que, nas periferias, o custo da maconha para uso recreativo duplicou. Um cigarro pode custar R$ 30. Na classe média, o equivalente a 50 gramas custava R$ 80 ou R$ 100; hoje se paga R$ 150 ou mais. Se a qualidade e apresentação da droga for melhor, pode chegar a R$ 400. A explicação é econômica. “Infelizmente, o crime organizado trabalha com produto. Se não tem produto, o preço sobe”, diz Giovani Santoro, chefe da comunicação da Polícia Federal. É um caminho esperado: se há repressão, dificuldade para cultivo e transporte, a oferta é reduzida e a demanda sobe. “Se estão dizendo isso (que há falta), em tese confirmamos o trabalho que estamos fazendo de sufocar o mercado”.

Segundo Santoro, o plantio se dá a cada três meses. Comas ações da PF (antes eram quatro por ano, mas em 2019 foram cinco fora de temporada), a colheita tem sido realizada antes do tempo, alterando a qualidade do produto final. “É como colher uma fruta que não está madura”, explica Santoro. Quem consome, reconhece essa diferença. Afora a derrubada dos pés, deve ser levado em conta o aumento de apreensões da maconha pronta. Em 2018 foram 1.906 kg. Em 2019, 4.746 kg.

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