A bactéria desconhecida tem deformado partes do corpo dos detentos,
"comido" a pele e deixado membros em estado de decomposição
(Foto:
Divulgação/ OAB - RR)
Uma doença misteriosa que causa paralisia, necrose de membros e
coceira intensa deixou 29 detentos da Penitenciária Agrícola de Monte
Cristo, em Boa Vista, internados no Hospital Geral de Roraima, o maior
do Estado. Destes, 15 tratam a enfermidade causada por uma suposta
bactéria; os outros foram diagnosticados com outras doenças contagiosas -
que teriam sido intensificadas pela falta de limpeza e pela
superlotação da unidade prisional.
A
bactéria desconhecida tem deformado partes do corpo dos detentos,
"comido" a pele e deixado membros em estado de decomposição. Os presos
afetados também apresentam paralisia nas pernas.
Segundo
o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do
Brasil de Roraima (OAB/RR), Hélio Abozago, alguns detentos já não
conseguem mais andar ou dobrar a perna por causa do inchaço e das
feridas causadas pela doença.
Um dos
profissionais que atua no hospital e pediu para não ser identificado,
com receio de represália, disse que a doença dos presos não é
desconhecida do setor. "O nome correto é fasceíte necrosante. É uma
bactéria comedora de carne humana, altamente contagiosa e de difícil
cura", afirmou. "Pior de tudo: vai contaminar as pessoas que estão no
hospital, pois estes presos estão no corredor, junto com todos os outros
doentes. Não existe isolamento, muito menos escolta policial, e o odor é
insuportável. Um perigo para todos", disse.
A
Secretaria de Estado da Saúde de Roraima (Sesau/RR) informou, em nota,
que as análises laboratoriais feitas pela Coordenação Geral de
Vigilância em Saúde descartaram a hipótese de bactéria não
identificada.
"Os casos relatados pela direção
clínica do HGR (Hospital Geral de Roraima) se tratam puramente de
piodermite, do tipo impetigo, que é uma infecção de pele oportunista,
que ocorre quando já existe uma lesão de pele tipo escabiose", afirmou a
pasta. "Os presos teriam passado por atendimento de infectologista e
dermatologista, e estão recebendo tratamento com antibióticos e
reposição de vitaminas. Exames diários e tratamento continuado estão
sendo feitos."
À reportagem, a estudante
Suellen Araújo contou a história do irmão Diego, de 20 anos, que foi
preso acusado de tráfico de drogas. Após quatro meses no presídio,
localizado na zona rural de Boa Vista, os sintomas da doença começaram a
aparecer.
"Ele está há sete dias em
tratamento, mas ainda não sabemos o que tem. O corpo está todo cheio de
feridas e não consegue ficar em pé. Algumas partes do corpo estão
escuras, necrosadas e, assim como ele, outros detentos estão aqui no
corredor do hospital na mesma situação", denunciou. "Queremos apenas que
ele seja tratado decentemente. Lá, não tem condição. Estava usando o
mesmo uniforme desde o dia em que foi preso quatro meses atrás, sem
nunca ter sido lavado."
Interdição
A
família tenta, com o auxílio da Defensoria Pública, que Diego obtenha
direito à prisão domiciliar por causa da doença. O Ministério Público de
Roraima pediu a interdição parcial do presídio, que está com apenas uma
ala em funcionamento e tem capacidade para 480 detentos, apesar de
abrigar 2.074 presos.
A reforma da unidade
prisional está paralisada desde o ano passado. Celas com dimensões de
seis metros quadrados abrigam, em média, 17 presos, que se amontoam no
espaço. O local não tem ventilação nem limpeza, segundo relatório da
Defensoria Pública de Roraima e da Comissão de Direitos Humanos da
OAB/RR, ao qual a reportagem teve acesso.
Na
manhã desta terça-feira, 21, representantes do MP, da Defensoria Pública
e das Secretarias Estaduais de Justiça e de Saúde estiveram reunidas na
Vara de Execuções Penais, do Tribunal de Justiça de Roraima, para
tratar sobre o surto no sistema prisional.
Ficou
acordado com o Judiciário a realização de um mutirão de saúde no
presídio, que atenderá aos casos específicos, com consultas pela manhã e
à tarde. No entanto, serão as famílias dos presos que vão ter de levar
kit de higiene pessoal, além de uniformes nos padrões especificados pela
Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejuc): camisa de algodão, calça e
bermuda em tactel, todos na cor vermelha, além de medicamentos para os
presos infectados. A relação do material foi disponibilizado aos
familiares dos internos.
O governo informou que
ainda aguarda o fim da licitação para adquirir os materiais e que essa é
melhor forma de atender aos presos de maneira urgente. No encontro,
também ficou definido que deverá ser providenciada uma ala específica no
hospital para atendimento dos detentos, para que a bactéria não infecte
outros pacientes e que também será melhorado os quadros de escolta e
fiscalização.
Ficou estabelecido, ainda, que
nesta semana será realizado um trabalho de dedetização em toda a
penitenciária e de limpeza das celas. Os presos em estado mais grave
serão encaminhados à perícia médica.
O defensor
público Frederico Leão está confiante com os acordos firmados com
Estado para restabelecer a assistência à saúde dentro da unidade. "A
situação, se não contida, pode se agravar para um problema de saúde
pública", alertou.
A juíza Joana Sarmento
destacou que a vistoria realizada serviu para deixar claro que o
problema precisa ser controlado o quanto antes para que não haja
propagação das infecções de pele. "Enquanto não forem realizadas
melhorias nas instalações e a superlotação não for amenizada, só será
possível realizar o controle para que o problema não se agrave", pontuou
a magistrada.
Superlotação
Os
relatórios feitos pela Defensoria Pública e pela Comissão de Direitos
Humanos da OAB apontam que as celas exalam forte mau cheiro e estão com
capacidade extrapolada, além de sistema de ventilação precário. Os
defensores e advogados ressaltam também a falta de material de limpeza e
o fato de que a maioria dos presos apresenta outras doenças, como
hipertensão, tuberculose, hepatite - alguns estão infectados pelo vírus
HIV.
O Sindicato dos Agentes Penitenciários
também produziu um relatório em que aponta que a existência "dentro do
presídio um grande surto de tuberculose; surto de sarna" e de vários
apenados com furúnculo, "além de uma quantidade grande de idosos que
morrerão sufocados pela superlotação".
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